Muito tem se falado da implantação do compliance na Governança Pública, sem o devido aprofundamento de sua base que é a Governança Corporativa e suas boas práticas. Ademais, a Lei 13.303/16 (que dispõe sobre o estatuto jurídico das empresas públicas), menciona em diversos dispositivos a necessidade de se implantar na estratégia e na gestão das empresas públicas, os princípios da Governança Corporativa sem, contudo, se debruçar muito ao mérito da questão acerca de COMO fazer na PRÁTICA isso funcionar.
O Tribunal de Contas da União (TCU) já se posicionou em alguns entendimentos no sentido de que a aplicação ao pé da letra da Governança Corporativa nos órgãos públicos gerará como impacto negativo inicialmente, a diminuição da autonomia e da liberdade para os seus agentes, o que discordo fervorosamente, pois só há a verdadeira liberdade com a existência de transparência (um dos princípios da Governança Corporativa, não?) e só há autonomia se essa é passível de prestação de contas (olha outro princípio da Governança aqui), para que não haja conflito de interesses pessoais sobrepostos aos do interesse público.
O Acórdão 588/18 do TCU aponta ainda que há baixa maturidade de Governança Corporativa nos órgãos públicos e um dos motivos é a ausência de profissionais qualificados para implantar os programas necessários às boas práticas. Tendo em vista tal deficiência, o TCU publicou material informativo em 2014, contendo os “10 passos para a boa Governança”, constando curiosamente, nos 2 primeiros passos características e condutas pessoais desejáveis ao profissional atuante, quais sejam: 1) Escolha de líderes competentes e avaliação do seus desempenhos; 2) Liderança com ética e combate dos desvios. Observa-se que propositalmente foram tratadas com prioridade as orientações ligadas à “competência” e “ética”.
Qualquer empresa, seja ela privada ou pública, é sabidamente composta por pessoas, e se estas são negligentes ou possuem baixa concepção ética estaremos diante de um iminente risco de fraude, e o oposto disso é verdadeiro. Se tivermos profissionais engajados e preparados, com alto valor ético envolvido, teremos as boas práticas da Governança Pública aplicadas no dia a dia em todas as ramificações de sua cadeia estrutural.
Portanto, as questões COMPORTAMENTAIS acerca do profissional a exercer as boas práticas da governança são mais relevantes do que o método de gestão. Destacando diversas vezes em suas obras acadêmicas dedicadas ao tema, o Prof. Dr. Alexandre Di Miceli prega que o foco deve ser no fator humano e que este “permitirá o alcance do objetivo maior da boa governança, qual seja, criar um ambiente no qual as pessoas desejem voluntariamente tomar decisões no melhor interesse de longo prazo do negócio e cumprir as regras.”
Nesse sentido, temos que as regras e as estruturas não são suficientes para entendermos e aplicarmos a Governança Corporativa, mas sim os aspectos psicológicos, emocionais e cognitivos do profissional de governança e demais lideranças, que são fatores fundamentais para o sucesso da aplicação das boas práticas.
Nossa Constituição Federal em seu artigo 37 prevê expressamente desde 1988 os princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência na Administração Pública (o famoso “LIMPE”). Portanto, embora haja um engajamento maior nestas questões comportamentais atualmente, sempre houve uma expectativa e uma IMPOSIÇÃO LEGAL para que os agentes públicos agissem com ética, concordam?
O profissional atuante na Governança Pública, tendo um perfil pessoal de maturidade, autonomia técnica e principalmente caráter ético faz a máquina pública funcionar, pois somente com este esteio, os interesses pessoais saem de campo para dar lugar aos melhores interesses da empresa e seus stakeholders, que neste caso, somos todos nós.
(Publicado no Linkedin em 18/06/18)
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